Magalhães Pinto para Status (1977) - Entrevistas com políticos em revistas antigas
MAGALHÃES PINTO: “EU ACHO QUE GEISEL VAI DIZER QUE O CANDIDATO SOU EU.”
ENTREVISTA A SEBASTIÃO NÉRY
Quando quer dizer que alguém é bom em alguma coisa, ele diz sempre: “É um craque”. Pois é exatamente o que Magalhães Pinto é. Um craque. Hoje, o grande craque da política nacional. É o único brasileiro que conheço com curso completo de poder. Com mestrado, doutorado e tudo. E nunca perdeu uma. Se esta sucessão presidencial é uma corrida de obstáculos (e já há vários cavaleiros na raia . . .), o último grande salto pode acabar sendo dele. Foi assim, tem sido assim a vida inteira. Diretor de banco aos 25 anos, presidente da Associação Comercial de Minas aos 29, dono de banco aos 33, deputado, secretário de Estado, presidente estadual e nacional da UDN (contra toda a cúpula udenista), governador (derrotando o PSD, JK e Tancredo Neves), chefe do Movimento de 64, ministro, presidente do Senado. Tudo o que quis ser, foi. Agora, quer ser presidente da República. Não brinquem com ele, que é um craque. E os craques costumam reinventar a história das pelejas, apenas com talento e vontade. Perguntem a Pelé. Ou perguntem a Churchill. Entro, manhã cedo, no apartamento de Brasília. Está pronto, como se fosse sair. Alegre, elegante, bem disposto, rejuvenescido. É a “vitamina do poder”, de que nos fala José Américo de Almeida. E de repente lembro a primeira vez que o vi, 25 anos atrás, 1952, chegando a Minas e indo ao Rio num trem Vera Cruz. Jornalista de primeiro mês de salário, sentei no carro-restaurante, pedi uma cerveja e um sanduíche. Ao lado, cabeça lisa, um homem de olhos acesos falava baixo e três outros ouviam. Fiquei horas no carro-restaurante, ele falando, os outros ouvindo. Pergunto ao garçom: — Quem é? — O careca? Não conhece? É o doutor Magalhães Pinto. O do banco. Todos os quatro são deputados. O chefe é ele. Quando o vejo, agora, penso em Francelino Pereira, seu assessor, protegido e por ele feito deputado no seu governo de Minas: — Senador, como está o Francelino com o senhor? — Ainda não apareceu. Já devíamos estar conversando. Meu receio é que ele só venha na 25a hora. E sorri de leve, como um menino esperto. — O senhor viu o slogan do governo: O Brasil é feito por nós? O povo está grifando o nós, está vendo ali os nós nacionais. — Pois é. Um dia desses um colega seu escreveu: “Ele que deu o nó, que o desate”. E sorriu aberto, como um menino feliz. Diante do gravador, assistidos pelo mineiro agrícola (de nome, sabedoria e jornalismo) Silvestre Gorgulho, conversamos léguas de horas.
Status — Senador, quando o senhor começou, lá no interior de Minas, o que é que pensava da vida? Magalhães — Eu sempre fui um idealista. De modo que, já então, eu pensava em servir ao meu país. Mas, evidentemente, o meu pensamento era dentro da modéstia de minha origem.
Imaginava chegar aonde chegou? Se eu disser que imaginava, vou ser considerado pretensioso. Mas, desde que comecei a lutar na vida pública, sempre tive em mira alcançar os postos que me facilitassem servir ao povo.
Quando resistiu à ditadura Vargas, teve medo de arriscar tudo? Não, pelo seguinte. Eu acho que o interesse da pátria está acima do interesse particular. Nunca olhei qualquer interesse particular no momento de tomar uma posição na vida pública. Foi assim em 43 e assim em 64.
Punido por causa do “Manifesto dos Mineiros”, começou tudo de novo e construiu seu banco. Como é que conseguiu? Eu tinha, na época, 33 anos, era muito conhecido, e meu irmão Waldomiro também. Juntos lançamos a idéia da criação do Banco Nacional, que teve cobertura ampla dos nossos amigos. Basta dizer que, numa semana, tivemos o capital todo subscrito, tendo que cortar nos pedidos, atendendo-os numa percentagem inferior ao que desejavam, porque nós tínhamos um limite para o capital.
“Eu fui líder no dia 31 de março de 64. O Movimento ia sair de Minas e quem comandava era eu. Eu até queria sair antes.”
Em 45, elegeu-se pela UDN. Por que a UDN? A UDN era um partido que se opunha, que fazia oposição a Vargas. E eu me engajei, desde logo, na candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, que seria oficializada pela UDN. Era a minha origem. Minha origem era a oposição à ditadura, e a oposição foi encarnada pela UDN.
Teve contatos com Getúlio? Tive alguns contatos com ele. Ele sempre foi muito atencioso comigo. Certa vez, circulou até a notícia de que ele queria me fazer interventor de Minas. Mas acho que isso nunca passou pela cabeça dele e pela minha também não passava.
Esteve alguma vez com ele no Catete, antes de 45? Quando eu era presidente da Associação Comerciai de Minas, em 1938, portanto com 29 anos, ele me chamou e tivemos uma conversa muito longa. Dessa conversa é que surgiram comentários de que ele visava o meu aproveitamento. Foi uma conversa alongada sobre os problemas mineiros, sobre os problemas brasileiros. Ele estava, no dia, com disposição de conversar com um jovem que era dirigente de uma associação de classe e de Minas. Com isso, naturalmente, ele tinha alguns objetivos políticos.
Mas não se abriu? Não se abriu. E, como eu não estava interessado, não procurei puxar por ele para ver se saía alguma coisa.
Qual foi a impressão que lhe ficou dele? Sempre tive boa impressão dele. Muito inteligente, com muita experiência. Conversei nessa ocasião, depois mais algumas vezes. E quando foi eleito senador e deputado na Constituinte, tive novamente uma ,pequena conversa com ele. Tinha sempre a melhor impressão, embora me opusesse ao regi-me que ele chefiava, que era a chamada ditadura de 37.
Quando e como conheceu Juscelino? Conheci o Juscelino bem antes da política. Ele lutou em Belo Horizonte para vencer, como eu lutei. Quando estava no começo da minha vida, ele também estava no começo de sua vida profissional, de consultório, e nos dávamos bem. Sempre gostei muito dele, principalmente pelo seu gênio alegre, sempre atencioso com as pessoas. Tinha comigo uma relação muito especial. por causa de seu cunhado, doutor Júlio Soares, que era médico, inclusive, da minha família, e eles tinham consultório juntos. Quando fui secretário das Finanças do governo Mílton Campos, éramos deputados federais, ele sempre com a sua ambição de ser governador, porque já tinha sido prefeito de Belo Horizonte.
Como viu Juscelino como presidente? Um idealista, um desenvolvimentista. O que ele soube, sobretudo, foi captar, na hora, o que havia de importante no mundo. Era o início do desenvolvimento. Trouxe para o Brasil, com seu entusiasmo, o desenvolvimento industrial.
Como presidente da UDN, o senhor comandou a convenção para indicar Jânio Quadros candidato. Arrependeu-se? Não, porque naquela hora o Jânio representava tudo aquilo que nós desejávamos. A sua campanha era uma campanha praticamente udenista, e por isso ele teve um apoio muito espontâneo da UDN. Evidentemente que todos nós éramos muito mais ligados ao Juracy Magalhães, e não pudemos ficar com ele justamente porque a maioria do partido já estava engajada na candidatura Jânio Quadros. Eu presidi a convenção com consciência da hora histórica, que era favorável a ele.
O senhor entendeu a renúncia de Jânio? Não. Nunca. Até hoje ainda não entendi. Tenho visto e ouvido várias explicações, mas não entendi.
Houve um instante em que, para evitar a crise que já estava engrossando em 63, João Goulart pensou na chapa Magalhães — Arraes, para 65. O senhor também pensou? Não. E ele nunca me falou que eu pudesse ser candidato, inclusive porque tinha o maior embaraço, que era seu próprio cunhado, Leonel Brizola, que era candidato. Ele não iria trabalhar para qualquer outro nome, principalmente um nome da UND, que era o partido que mais se opunha ao seu governo.
O Brasil, antes de 64, levava o seu processo político através de três grandes forças que tinham, cada uma, mais ou menos, 30°0 da opinião pública nacional: PSD, UDN e PTB. Como o senhor coloca sua candidatura dentro desse quadro das forças políticas? Ela é mais UDN, PSD ou PTB? Agora isso não existe mais. Agora é Arena e MDB mesmo. Evidentemente que o meu desejo é fazer o entendimento nacional, pacificar o país, de modo que, se eu for o candidato da Arena, escolhido e indicado pelo presidente, e apoiado pelo sistema militar, procurarei um entendimento com o MDB, certo de que esse partido, que tem a mesma origem da Arena, que foi a Revolução, pode ser um partido de oposição mas não deve ser, e sei que há um esforço nesse sentido, um partido de contestação à Revolução. Não havendo essa incompatibilidade com a Revolução, por que não convocar o MDB para a minha campanha?
Ainda para a campanha? Para votar. Para votar, claro.
O que foi mesmo que o levou a sair para derrubar Jango e comandar 64? A idéia fundamental era a noção que eu tinha da responsabilidade que Minas sempre teve para com o Brasil. Nós, mineiros, em todos os movimentos sempre estivemos à frente. Naquela hora, via o país caminhar para o caos, para a anarquia. Confesso que nunca temi que o país fosse para o comunismo, porque sabia que o povo brasileiro ia ficar radicalmente contra. Mas a anarquia e o caos também podiam gerar qualquer coisa, até o comunismo. Julguei que era meu dever preparar Minas, para não deixar que no nosso Estado acontecesse um movimento subversivo, perigoso. Preparei a Polícia Militar durante um ano e meio e me entendi com os chefes militares do Exército que estavam em Minas e com o comandante da Aeronáutica. Aí, nos juntamos todos, depois fiz a união política do Estado e partimos para o movimento.
“O general Castelo Branco me convidou para embaixador em Paris. Eu disse a ele que queria continuar minha luta aqui, internamente.”
O general Denis e os chefes militares de Minas sempre. disseram que o comandante de 64 foi o senhor. Depois, outros tentaram contar outra história, que o senhor só entrou no Movimento porque não havia outra saída. O senhor foi o líder ou não foi? Fui. Como governador de Minas, reuni todas as forças e elas ficaram sob o meu comando. Essa foi a liderança que eu tive no dia 31 de março. Porque antes, evidentemente, muitos foram aqueles que fizeram um trabalho, foram precursores pela sua palavra. Não podemos esquecer nunca o trabalho de Carlos Lacerda, Auro Moura Andrade, Bilac Pinto e tantos outros que lutaram para que o país não chegasse ao abismo, porque na beira do abismo o povo sempre disse que ele está.
Por que o senhor se afastou de Castelo? Eu nunca me afastei de Castelo. Ele não deixava, inclusive para discutir problemas, para contestar, estava sempre desejando conversar. Sempre conversei com o general Castelo e nossas relações foram boas até o fim do meu governo. Depois que deixei o governo, ainda estive com ele, ele atencioso comigo. Oito dias antes de eu deixar o governo, fui me despedir dele e ele me convidou para embaixador em Paris. Disse a ele que achava difícil, porque queria continuar minha luta aqui internamente, mas ele me deu tempo para pensar. Depois, por intermédio do ministro Juracy Magalhães, disse que realmente não podia deixar o Brasil naquela hora, mas ficava muito agradecido ao presidente pela sua lembrança.
E suas relações com Costa e Silva? Só conheci Costa e Silva depois da Revolução, já tendo ele assumido o Ministério da Guerra. Nossas relações foram sempre muito boas. Um dia ele me comunicou que era candidato e queria contar com meu apoio. Era um aliciador. Depois que eu disse que ficava com ele, ele me convidou para ministro. Respondi: — General, acho que, um ano e pouco antes de ir para o governo, o senhor não deve tomar compromissos, porque pode ter necessidade de fazer arranjos. Além do mais, o senhor está enganado. Quero é que o senhor se comprometa comigo e seja meu ministro. Ele era muito engraçado, muito inteligente.
É verdade que Castelo ficou agastado porque queria que o Movimento saísse depois do dia 2 de abril e não no dia 31, e Minas antecipou? Até hoje não sei como é que o Movimento ia sair no dia 2 de abril. Disseram que antecipei de dois dias. Não sei disso. Não havia ninguém. O Movimento ia sair era de Minas. O que estava combinado é que sairia de Minas e quem comandava era eu. Quis sair antes. Quis sair no sábado de Aleluia. Só não saí porque o general Mourão tinha dado férias de Semana Santa aos militares sediados em Juiz de Fora.
O general Guedes falava em um encontro do senhor com Castelo antes do 31 de Março. Quando Castelo foi nomeado para o IV Exército, foi a Minas me fazer uma visita e, ao se despedir, eu disse: — Não se esqueça, general, de que, quando tiver de defender a liberdade e a democracia, o movimento vai partir daqui. Nessa ocasião, o senhor deve vir para cá. Isso ele contou ao Guedes.
E o presidente Médici? Houve um esfriamento de relações entre o senhor e Médici, não houve? Não. O tratamento que o presidente Médici me deu foi o mesmo que ele dava aos parlamentares em geral, um pouco distante mas sempre atencioso nos encontros ocasionais que tivemos.
Lacerda chamou Juscelino, Jango, até o Jânio, que não aceitou, para a Frente Ampla. Chamou o senhor? Não me convidou, porque sabia que eu não iria. Sempre aconselhei o Lacerda a disputar pela Arena uma cadeira de deputado, etc., porque, com a sua vocação política, o melhor era ele ter uma tribuna. E nós sabemos que, quando ele tinha uma tribuna, se tornava a principal tribuna.
Sua candidatura é uma nova Frente Ampla? Não. O que estou desejando é o apoio de todo o povo brasileiro. Porque, na verdade, sendo candidato civil, tenho que colocar na mesa de negociação, de exame, o que vou representar. E eu não represento, digamos, uma força militar. Então tenho que representar os vários segmentos da sociedade brasileira. Por isso estou procurando por toda parte, aliás não estou muito procurando. estou é sendo convidado. Tenho é convites de toda parte. E essas viagens que faço não são de propaganda da minha candidatura. Tenho oportunidade de falar algumas idéias e ao me entrevistarem sabem que sou candidato a candidato à Presidência.
Sua candidatura é mesmo para valer? É. É para valer. Minha candidatura surgiu, como todos sabem, no Senado. Quando fui escolhido o Homem de Visão, houve uma manifestação da Casa, que já tinha sido muito generosa na minha eleição, porque parece que na história do Senado fui o único eleito por unanimidade. De 66 senadores, tive 65 votos e dei o meu, evidentemente, ao senador Antônio Carlos Konder Reis, que era o presidente da sessão. Com essa manifestação do Senado, comecei a receber incentivos de vários lugares, de colegas, da Câmara e de homens de outros Estados. Cheguei então à conclusão de que devia deixar meu nome colocado. Depois de várias conversas, comecei a fazer viagens, aceitar convites, e com isso meu nome está tendo uma acolhida geral. Acho isso importante, até para a Revolução. Porque um homem da Revolução, que é apoiado pelo povo, mostra que não há incompatibilidade entre o povo e a Revolução. E todos sabem que sou um democrata, que desejo a democracia, o Estado de Direito. Portanto, há uma confiança no meu passado. Em todos os cargos que ocupei mostrei autenticidade e por isso o povo confia em mim.
O Correio Braziliense começou a fazer uma prévia no Congresso e de pente a prévia foi previamente suspensa. Mas o que se sabe é que o senhor estava ganhando disparado. Ficou claro, então, que, se a decisão for entregue ao Congresso, o senhor é o presidente. Mas é evidente que o presidente Geisel vai comandar o processo da sucessão. Como está o senhor com ele? O país todo pergunta: e Geisel com ele? Há algum pacto secreto entre os dois? As minhas relações com o presidente sempre foram muito boas e acho que sempre fiz por merecer a confiança dele. Ele, por exemplo, foi quem me chamou e me disse para disputar a presidência do Senado, e com isso demonstrou que tem confiança em mim. Tivemos sempre um bom entendimento, temos até hoje. Evidentemente, nesta fase atual, eu não o tenho incomodado com pedidos de audiência. Sei que ele vai tratar do assunto em janeiro e que nessa ocasião serei convocado para uma conversa, ou pedirei urna audiência para conversar.
“Todos sabem que eu sou um democrata, que eu desejo o Estado de Direito. Há uma confiança em meu passado.”
O que estará o presidente pensando do crescimento inesperado, surpreendente, de sua candidatura? Isso está dentro da estratégia dele? Ele não deve estar preocupado. Se ele disse que só a partir de janeiro vai cuidar do assunto, não está engajado em nenhum nome. Vai examinar o meu nome como magistrado, como chefe do partido. Ele examinará as conveniências, digamos, de minha candidatura para o partido e para o Brasil. E eu confio muito na isenção do presidente.
E se o presidente o chamar e disser: — Senador, a meu ver o candidato deve ser fulano, outro — , o que é que o senhor fará? Vamos esperar. Não quero ser pessimista. Estou achando que ele vai dizer que o candidato sou eu.
Se tivesse 21 anos, como meu filho, e a pergunta é dele, o senhor acreditaria na sua candidatura? Os jovens estão acreditando. De forma que presumo, pelos convites que tenho tido, do Brasil inteiro, dos diretórios acadêmicos, faculdades, sempre trazidos pelos estudantes, que minha candidatura é uma candidatura para a juventude, principalmente para o futuro. Quem pensa no futuro está pensando na mocidade.
O apoio do empresariado foi uma das pernas do tripé que sustentou o Movimento de 64. Hoje, há um descompasso enorme entre o governo e o empresariado, o que está preocupando muito o governo. Como vê sua candidatura em termos da crise do empresariado com o governo? Como empresário, inclusive como ex-dirigente de entidade de classe representativa do comércio, da indústria e da lavoura, acho que mereço a confiança do empresariado. Não terei nenhuma dificuldade no diálogo com eles. Minha candidatura, pelas manifestações que venho recebendo, atende aos interesses do empresariado nacional.
Outra perna do tripé, a solidariedade do mundo ocidental e, particularmente, dos Estados Unidos, trincou. O senhor, que foi ministro do Exterior, como está vendo as dificuldades externas do país, o problema do acordo nuclear, o dos direitos humanos, do Carter, que está vindo aí? A posição do Brasil diante do mundo ocidental é boa. Temos dois problemas com os Estados Unidos, que acho que serão facilmente resolvidos. O problema nuclear, que os americanos precisam compreender que foi um acordo entre dois países soberanos, e problemas comerciais, quotas, etc. O dos direitos humanos não considero que seja um problema. Nós também sempre fomos a favor deles, e o presidente da República mais de uma vez se manifestou a favor dos direitos humanos e faz uma política social que tem, sem dúvida nenhuma, atendido a esses direitos. Mas acho que isso tudo não vai ficar para o próximo governo. A vinda do presidente Carter vai ser decisiva. Esses problemas são de alguma dificuldade para resolver, mas as relações do Brasil com os Estados Unidos estão acima de eventuais dificuldades. Numa conversa, a dois, do presidente Carter com o presidente Geisel, eles acertarão isso. Em primeiro lugar, porque a questão da energia nuclear foi um ato de soberania. Dificilmente os Estados Unidos poderão sustentar a tese de que não admitem esse contrato. Aliás, tenho acompanhado isso porque. quando fui ministro, era a favor de o Brasil poder desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos e ainda não vi nada fechando a questão. Tenho visto que há um desejo de não haver aumento de exploração da energia nuclear, com receio de serem fabricadas novas bombas. O Brasil já compareceu a Viena e disse que dá todas as garantias. A Alemanha, também. De modo que, numa conversa dos dois presidentes, estou convencido de que esse assunto será resolvido. O problema de quotas comerciais, esse será mais fácil. O de direitos humanos é uma coisa que nós não podemos pensar que o presidente Carter, quando fez sua campanha falando nos direitos humanos, estava pensando no Brasil. Quem logo pôs a carapuça na cabeça foi a Rússia. Nós não devemos colocar. Se já tivemos problemas de direitos humanos, não temos agora, no momento. E sabemos do esforço do presidente e mesmo dos militares para regular isso.
O problema político do Brasil, hoje, está colocado nestes termos: o Brasil não tem Constituição, tem uma Emenda, precisa de uma Constituição. A oposição quer uma Constituição nascida de uma Constituinte. O governo, através de Petrônio, está articulando unia reforma constitucional para março, fazendo em 78 o que Castelo fez em 67: Geisel manda o projeto e o Congresso aprova, com ou sem o MDB. Este é o problema central do país, hoje: Constituinte ou Emendão. Como o senhor está vendo isso? Eu acompanho o partido e o presidente na sua atitude. Acho que a Constituinte agora não traria melhores resultados. Nós vimos, em 45, que a Constituinte foi convocada pelo próprio ditador. É o governo que convoca Constituinte. Uma Constituinte da oposição é muito difícil. Respeito muito a tese do MDB, mas acho que podemos chegar ao mesmo resultado através de emendas à Constituição — que deve ser a de 67, que é uma Constituição revolucionária — , ou o presidente mandando uma Constituição para nós votarmos, com as emendas que julgarmos indispensáveis ou com emendas de comum acordo entre os dois partidos, para irmos para o Estado de Direito com as salvaguardas de defesa do Estado contra a subversão, o terrorismo e outras coisas da moda.
Em tudo isso há um problema delicado e básico, a que outro dia o senhor se referiu. É o problema das punições. Não só a anistia ou a revisão das punições corno a eternidade da suspensão dos direitos políticos. O cassado foi cassado por dez anos, passam os dez anos e ele continua sem direitos. O Brasil é hoje o único país do mundo que pune eternamente. Como o senhor vê isso? Vejo o seguinte. Se as conversas derem bom resultado, o MDB aceitando a Revolução embora combatendo o governo, esse assunto poderá ser colocado em melhor situação do que se fosse colocado atualmente. Evidentemente que, talvez, através da criação de um tribunal para revisões, porque a anistia ampla iria trazer de novo, para o país, elementos que estão condenados, que são considerados perigosos para a ordem pública e, portanto, o melhor seria talvez um tribunal que fizesse as revisões, inclusive daqueles que já cumpriram o prazo de punição de dez anos, um prazo longo, e que não estão condenados.
Acredita na Missão Petrônio? Acredita que sairá, até o ano que vem, um acordo para essa Constituição sem Constituinte? Acho que sim, porque é um desejo do MDB e da Arena. O MDB está na tese da Constituinte, mas desde que ele verifique que é mais fácil a revisão da Constituição, ele caminhará para isso, porque o objetivo maior é a democracia e o Estado de Direito. Este é o grande objetivo. Acredito que, através do diálogo, chegaremos lá.
Alguns estão dizendo que o “pacote” de abril está fora do diálogo. Mas o “pacote” de abril tem um ponto básico, que é a eleição indireta dos governadores. Acha que a eleição indireta deva ser revista no diálogo? Acho. Acho que deve voltar a eleição direta para governador. O povo gosta de eleger. O povo faz menos questão de eleger o presidente da República do que o governador porque o poder está mais próximo. Embora, nessas minhas andanças por aí, esteja vendo todo mundo chegar perto de mim e dizer que vai votar em mim. É porque o povo tem esperança ainda de poder votar para presidente.
“Acho que deve voltar a eleição direta para governador. O povo gosta de eleger. O povo tem esperança de poder votar para presidente.”
Qual é sua mensagem de candidato? Minha palavra nesta hora é a mesma de sempre, de confiança no futuro do país. De um homem que quer olhar para a frente, não quer que o país fique se amargurando com coisas do passado. E, por ter essa confiança no futuro, estou levando urna palavra de fé nos destinos do país. Levo uma palavra de paz, porque acho que é imprescindível pacificar o Brasil. Nós não nos devemos contentar apenas em ser uma nação emergente do terceiro mundo. Devemos juntos trabalhar para que o Brasil seja realmente uma grande potência. Temos direito a isso e temos todas as condições para isso. Mas para isso é preciso vencer internamente certas dificuldades entre os homens. Quem pode contribuir para o engrandecimento do país precisa ter sua oportunidade. Por outro lado, temos que cuidar do nosso desenvolvimento interno, para que ele atinja todas as regiões e todas as camadas da população, para que tenhamos um grande mercado interno, não ficando dependendo apenas de nossas exportações. Vamos sobretudo depender de nós mesmos. Mas, para isso, é preciso cuidar da poupança interna, para que ela não fique apenas na mão do governo e, sim, na mão do povo. É preciso cuidar para que os tributos sejam menos onerosos, e assim facilitar essa poupança. Fazer com que haja maior conhecimento da tecnologia universal, para não ficarmos dependentes das multinacionais, que são uma realidade no mundo, que temos no Brasil e devemos continuar a ter. Temos que, evidentemente, aceitá-las, porque elas trabalham para o nosso desenvolvimento. O que é preciso é que tenhamos também a nossa empresa nacional desenvolvendo-se, podendo até se tornar também multinacional.
O Movimento de 64 colocou os políticos e as grandes camadas da população, os intelectuais, a Igreja, os estudantes, os operários, a chamada sociedade civil fora do processo do poder. Hoje, a angústia nacional que esta aí é a exigência de todos de participarem do processo do poder. A candidatura do senhor é o símbolo disso? É. É a participação de todos.
Sua candidatura significa então a volta da política ao comando dos destinos do país? Deve ser. É o comando da política sobre os destinos do país dentro de princípios novos. Não vamos voltar a repetir erros do passado. É fazer que a participação seja, inclusive. dos técnicos, dos militares. Não vamos excluir classes, mas vamos incluir os políticos.
É a volta aos quartéis? Não. Os militares não saíram dos quartéis. Existe um governo presidido por um militar, mas o ministério é quase todo civil. Os militares devem merecer o nosso agradecimento neto serviço que prestaram, e continuar a colaborar. Não deve haver nenhum preconceito na convocação de um militar para uma pasta, desde que ele seja o homem próprio para aquela pasta.
Quer dizer que o senhor vê 78 não só como o ano de sua candidatura, mas como o ano de grande reencontro nacional? Do reencontro, da emancipação do povo e da participação de todos que. têm interesse em colaborar na vida política e administrativa do país.
E a prorrogação dos mandatos que a Arena está querendo, com medo das eleições de 78? Sou contra. Os deputados devem ser ajudados nas suas campanhas. E estou convencido de que, se for candidato à Presidência, irei facilitar muito a vitória deles, sem prejudicar o MDB. O receio é de que o MDB tenha uma vitória espetacular sobre eles. É preciso que haja o equilíbrio de forças. Minha candidatura põe o povo participando. E é o que o povo quer e a Arena precisa.
O senhor imagina que o presidente vai ver sua candidatura como um fator de unidade entre civis e militares e de unidade das Forças Armadas? Acho que sim. É o que ela representa. Espero que o presidente possa olhá-la com isenção e boa vontade.
O slogan da campanha é “Com o Nacional dá certo”? Era. Era: “Magalhães dá certo”. Mas o Eduardo tomou para o banco e eu fiquei sem slogan.